Polígrafo como pericial | Prova científica legal no Brasil

A prova científica na justiça brasileira. A legislação no Brasil não parece ter uma definição técnica exata do que é uma prova. Em termos gerais pode-se dizer que a prova é o meio utilizado para convencer o julgador sobre um fato. Todo aquele elemento que pode ajudar a descobrir a verdade pode, em teoria ser uma prova.
No entanto, existem diferentes exigências legais para que uma prova seja aceita na justiça. Nem todo elemento pode ser utilizado como prova, a prova tem que apresentar certas condições. Para uma ideia completa do tipo de provas, condições e legalidade convidemos que leia o seguinte artigo.
Queremos neste escrito centrar-nos na prova material, a prova pericial ou de inspeção, e tentamos aproximar-nos a uma definição do que é considerado uma prova científica na justiça.
Também pretendemos examinar se o teste do polígrafo, ou exame psicofisiológico forense responde a essa definição. Fato interessante, é que a detecção da mentira foi, o ponto de partida para a definição de critérios para a prova científica nos Estados Unidos, como poderemos ver mais adiante.
Para realizar este exercício vamos considerar a legislação vigente no Brasil e utilizar os Estados Unidos para explicar a admissibilidade da prova científica.
Caso prefira ver a informação em vídeo por favor visualizar o seguinte vídeo:
A prova pericial no sistema judicial brasileiro
Não é evidente encontrar informação sobre os requisitos para uma prova pericial na lei. A que mais se aproxima é o artigo 473 do Código do Processo Civil.
O inciso II indica que o método utilizado deve ser aceito pelos especialistas na área. Está na linha do que veremos mais adiante, da Regra 702 utilizado nos Estados Unidos.
Seção X
Da Prova Pericial
Artigo 473
Art. 473. O laudo pericial deverá conter:
I – a exposição do objeto da perícia;
II – a análise técnica ou científica realizada pelo perito;
III – a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou;
IV – resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério Público.
§ 1º No laudo, o perito deve apresentar sua fundamentação em linguagem simples e com coerência lógica, indicando como alcançou suas conclusões.
§ 2º É vedado ao perito ultrapassar os limites de sua designação, bem como emitir opiniões pessoais que excedam o exame técnico ou científico do objeto da perícia.
§ 3º Para o desempenho de sua função, o perito e os assistentes técnicos podem valer-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia.
Como podemos ver a prova pericial deve antes de todo estar dentro do estado da arte na área de conhecimento da qual se originou. O teste psicofisiológico forense deve cumprir com certas normas que foram verificadas, contrastadas e validadas por diferentes entes como por exemplo a APA (American Polygraph Association) ou a ASTM (American Standar for Testing and Materials).
Evolução das condições para a prova pericial na justiça
Desde Frye a Daubert
Os Estados Unidos tem um sistema de “common law”, “direito comum”. As sentenças dos juízes consideram-se como linhas a seguir para julgamentos ulteriores. No direito brasileiro também conhecido como jurisprudência. Basicamente é a jurisprudência que dita as normas a seguir, sempre e quando não existe uma lei codificada superior que pode sobre-pôr-se a essa sentença.
Vejamos as sentenças que nos compete.
A primeira sentença sobre a admissibilidade de periciais foi ditada no famoso caso Frye vs. Estados Unidos.

No caso de 1923, Frye v. Estados Unidos, 293 F. 1013 (Cir. DC 1923), o Circuito DC considerou que as provas só poderiam ser admitidas em tribunal se “a coisa da qual a dedução é feita” estiver “suficientemente estabelecida para ganhar aceitação geral no campo particular em que pertence”. Frye apresentou um teste de pressão arterial sistólica, um “precursor rudimentar” do polígrafo.
Em 1923, esse teste de pressão arterial não era amplamente aceito entre os cientistas e, portanto, o juiz do caso Frye decidiu que não poderia ser usado no tribunal. Ao longo dos anos, os estudiosos contestaram o escopo e a aplicação adequados do teste de Frye.
No caso Daubert vs. Merrel Dow Pharmaceuticals Inc. (1993) os querelantes argumentaram com êxito que deveria ser considerada a lei aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos (Regras Federais de Evidência) em vez da doutrina Frye.
Argumentaram que, depois que o Congresso adotou as Regras Federais de Evidência (prova), em 1975, Frye não era mais o padrão a considerar para admitir provas científicas em julgamentos realizados em tribunais federais.
A Corte Suprema concordou e já havia decidido que onde as regras do direito comum entravam em conflito com as disposições do Regulamento, a promulgação do Regulamento tinha o efeito de suplantar o direito comum. Frye certamente fazia parte do direito comum federal das provas, porque foi decidido quase 50 anos antes da promulgação do Regulamento. Mas o texto do Regulamento não sugeria que o Congresso pretendia manter a regra de Frye e, portanto, a Corte argumentou que Frye não era mais a regra a seguir para a admissibilidade de periciais. Se deveria de aplicar outro critério para a prova científica na justiça.
Portanto a condição de que um conhecimento científico tem que estar “suficientemente estabelecido para ganhar aceitação geral no campo particular em que pertence” já não era válido mas passava a ser suplantada pela Regras Federais de Provas de 1975.
Quais são essas Regras Federais de Evidências ou provas de 1975 e que critérios impõem á prova científica na justiça? Esta regra é conhecida como Rule 702.
Regra 702. Depoimento de peritos. (Testimony by expert witness)
Uma testemunha qualificada como especialista por conhecimento, habilidade, experiência, treinamento ou educação pode testemunhar na forma de uma opinião ou de outra forma se:
(a) o conhecimento científico, técnico ou outro conhecimento especializado do especialista ajudar o julgador do fato a entender as provas ou determinar um fato em questão;
(b) o testemunho é baseado em fatos ou dados suficientes;
(c) o testemunho é o produto de princípios e métodos confiáveis; e
(d) o especialista tenha aplicado de maneira confiável os princípios e métodos aos fatos do caso.
Como se pode ver esta regra deixa a porta aberta ao testemunho de um perito na sua área, sempre e quando pode ajudar o juiz a formar uma opinião, ou na procura da verdade.
A sentença da corte suprema também indicou os critérios para a avaliação da admissibilidade das provas como podemos ver mais adiante:
Após “drafts” do US Supreme Court em 1969, 1971 e 1972, redigidos por iniciativa do Chief Justice Earl Warren, vêm a ser consagradas pelo Congresso as “Federal Rules of Evidence” de 1975, [1] designadamente a Rule 702. [2]
Daquela jurisprudência podemos retirar as seguintes regras de cautela ética e de controlo da cientificidade da perícia:
- o juiz de julgamento só deve admitir o parecer científico se este for relevante e fiável;
- o juiz de julgamento é o garante de que a prova apresentada provém, realmente, de conhecimento científico (em ambas, o Juiz como “gatekeeper”);
- o conhecimento científico é produto de “metodologia científica” pela utilização de método científico;
- a metodologia científica é o processo de formulação de hipóteses e de posteriores experiências que provam, ou não, a hipótese;
- deve ser sujeita a testes empíricos;
- deve ser conhecida a sua ratio de erro;
- deve ser sujeita a “peer review” (revisão paritária ou revisão pelos pares) e publicação.
[1] – “If scientific, technical, or other specialized knowledge will assist the trier of fact to understand the evidence or determine a fact in issue, a witness qualified as an expert by knowledge, skilI, experience, training, or education, may testify thereto in the form of an opinion or otherwise.”
[2] – A Rule 702 das Federal Rules of Evidence vem a assumir a seguinte redacção, hoje vigente: «A witness who is qualified as an expert by knowledge, skill, experience, training, or education may testify in the form of an opinion or otherwise if: (a) the expert’s scientific, technical, or other specialized knowledge will help the trier of fact to understand the evidence or to determine a fact in issue; (b) the testimony is based on sufficient facts or data; (c) the testimony is the product of reliable principles and methods; and (d) the expert has reliably applied the principles and methods to the facts of the case».

Dois juízes da Suprema Corte, o Juiz Rehnquist, acompanhado pelo Juiz Stevens, expressaram sérias preocupações sobre pedir aos juízes federais que assumissem o papel de decidir, de “gatekeper”, entre o que é ciência ou não, temendo que isso fosse semelhante a pedir que os juízes se tornassem “cientistas amadores”.
O Juiz Rehnquist, acompanhado pelo Juiz Stevens, escreveu uma opinião divergente: “As perguntas surgem simplesmente da leitura desta parte da opinião do Tribunal, e inúmeras outras perguntas certamente surgirão quando centenas de juízes distritais tentarem aplicar seus ensinamentos a testemunhos especializados (peritos).”
Citação literal do juiz Rehnquist acompanhado pelo Juiz Stevens:
Não duvido que a Regra 702 confie ao juiz uma responsabilidade de manter a decisão de questões sobre a admissibilidade de testemunhos proferidos por especialistas. Mas não acho que impõe-lhes a obrigação ou a autoridade de se tornarem “cientistas amadores” para desempenhar esse papel. Penso que o Tribunal seria muito melhor aconselhado neste caso a decidir apenas as questões apresentadas e a deixar o desenvolvimento posterior dessa importante área da lei para casos futuros
Avisa o Juiz que mesmo se está de acordo que a Rule 702 se sobrepõe sobre a jurisprudência de Frye, tem sérias dúvidas com respeito a outorgar a decisão final sobre a cientificidade de uma prova a um juiz. Este último, explica o juiz, pode carecer dos conhecimentos técnicos suficientes para poder avaliar a validade científica da prova para fazer justiça. Argumento, que sem nenhuma dúvida, tem uma certa lógica.
Teste do polígrafo é uma pericial científica-legal?

O teste, exame psicofisiológico forense responde às condições de pericial, prova científica? No seguinte artigo explicamos em detalhe o processo científico seguindo por um exame psicofisiológico forense.
No entanto, vejamos se responde ás condições exigidas pela Rule 702:
- o conhecimento científico é produto de “metodologia científica” pela utilização de método científico;
Claramente o teste do polígrafo segue uma metodologia científica, aplicando passos concretos e técnicas com critérios de avaliação standard. Critérios que podem ser encontrados na ASTM (American Society for Testing and Materials) assim como pela APA (American Polygraph Association)
- a metodologia científica é o processo de formulação de hipóteses e de posteriores experiências que provam, ou não, a hipótese;
A hipótese que formula o exame é de poder avaliar a presença ou ausência de uma ação sobre um assunto na memória de um indivíduo. Esta teoria foi comprovada através de diferentes estudos médicos.
- deve ser sujeita a testes empíricos;
As técnicas do polígrafo utilizadas foram sujeitas a diferentes testes empíricos que comprovaram um grau de fiabilidade sobre a hipótese inicial.
- deve ser conhecida a sua ratio de erro;
Cada técnica utilizada tem um ratio de erro conhecido. As técnicas utilizadas para exames psicofisiológicos forenses têm um fiabilidade de 90%.
- deve ser sujeita a “peer review” (revisão paritária ou revisão pelos pares) e publicação.
As técnicas e formatos foram submetidas a diferentes estudos e publicados pela APA (Associação American de Poligrafistas) Meta-Analytic Survey of Criterion Accuracy of Validated Polygraph Techniques.
Portanto, um exame psicofisiológico forense responde a todos os critérios exigidos na Rule 702.
Conclusão:

A ideia, de porque algo não existe na legislação ou falta de experiência, é argumento suficiente para descartar uma prova científica, é simplesmente uma falta de vontade de procurar justiça.
Justiça unicamente pode ser feita com o descobrimento da verdade. Limitar essa descoberta da verdade é dificultar uma sentença justa.
É inadmissível que o sistema judicial possa minorar a ampla defesa de um arguido, réu, não querendo admitir uma prova, simplesmente por falta de conhecimento técnico ou opinião pessoal de um julgador.
O juiz tem tudo a ganhar a que sejam peritos, expertos, assistentes ou assessores técnicos, advogados, partes que debatam sobre a perícia e a ele de formar uma opinião sobre os argumentos. Com certeza o juiz saberá avaliar os argumentos apresentados.
Não dar oportunidade a um júri ter acesso à informação de uma pericial científica, sempre e quando esta seja pertinente para o descobrimento da verdade do caso, é equivalente a inclinar a balança da justiça para um lado. Basicamente interferindo nesse papel independente que a justiça deve garantir aos cidadãos de países livres.
Especialmente quando a legislação não dá uma definição técnica dos critérios de uma perícia científica, a arbitragem que é otorgada ao julgador corre o risco de traduzir-se em arbitrariedade.
Foto Manchete Cancer Institute em Unsplash